Histórias e lendas de becos e ruas antigas de Paracatu

Paracatu, assim como muitas cidades históricas do Brasil, passou por muitas mudanças ao longo dos anos. Ruas, praças, casas, deixaram de existir. Procurando saber mais sobre a história e as lendas da antiga Paracatu, o Portal Visite Paracatu encontrou o Livro “Vivências e Contrastes”, escrito por Coraci da Silva Neiva Batista, presidente de honra da Academia de Letras do Noroeste de Minas. No texto “Eu vi… no Beco dos Mal-Casados” é possível voltar um pouco na tempo e perceber como a Paracatu antiga era rica em história, lendas e causos. Confira:

Paracatu, cidade bicentenária do Noroeste de Minas, conserva ainda alguns becos. Muitos foram fechados, outros viraram ruas. A denominação espirituosa era feita pelo povo. Beco do Cisco, do Chafariz, de Siá Amélia, de Siô Quim, de Siô Prisco, Sem Saída, Dos Mal-Casados, e tantos outros.

Este último era comprido e estreito. Entre duas casas altas. Os muros também; e com quase um metro de base toda feita de pedras. As mangueiras dos quintais de cada lado eram enormes. No centro do beco, um poste de madeira – iluminação fraquinha – mas necessária nas noites escuras.

Os que viveram por lá, antes de ser fechado, presenciaram cenas pitorescas que retratam o modo de vida do povo naquela época. Ouvi contar muitas; presenciei também; vivi ali perto. Ele não desaparecerá, pelo menos da nossa memória, enquanto lembramos dos fatos que lá sucederam.

Vou narrar-lhes um deles:

Residia na segunda casa acima do mesmo, na Rua Manuel Caetano, um casal idoso, sem descendentes. Tinha dinheiro; até emprestava.

Acontece que surgiu na cidade um vendedor de túmulos que ia de casa em casa com o mostruário – era a única maneira de negociar tal mercadoria.

Visitando o referido casal, o patriarca escolheu um bem grande. Comprou, pagou e mandou instalá-lo. Dizem que pagou até os caixões (na época não existiam urnas). Chamou um “retratista” para tirar e ampliar os retratos (dele e da esposa) que foram colocados no referido túmulo – um do lado do outro. Deve ter pensado: “não temos filhos; quando morrermos, quem fará isto por nós? Não é melhor deixar tudo arrumado?”.

O tempo foi passando. E eles “durando”. Ambos tinham saúde; e nenhuma preocupação.

Ocorreu que um jovem paracatuense estudante de Engenharia em Belo Horizonte – afilhado deste velho – antes de sua formatura veio visitar os familiares; rever a terra natal.

Visitou parentes, amigos, ouviu “causos”, contou também. Foi até o morro “catou gabiroba”, apanhou mangaba, pequi; falou muito, só não perguntou pelo padrinho (o morador da segunda casa acima do Beco dos Mal-Casados). Afinal, as férias ainda estavam começando; podia ficar para depois esse negócio de visitar padrinho.

Mas, numa tarde, em que o céu ficou cinzento ameaçando chover, bateu forte no peito a saudade daqueles que já partiram para o além. Decidiu visitar o cemitério de Santa Cruz – único que existia na cidade.

Era bonito, todo plantado, respeitado – não havia vandalismo. Em meio à maioria dos túmulos com estátuas, imagens e anjos brancos, todos feitos de mármore de Carrara, apareciam outros menos bonitos, mas modernos. Percorrendo-o monologou: “morreu muita gente depois que saí para estudar!”

Olha aqui, pára ali, reza para os parentes, admira a escultura de muitos – lembra-se do passado. Até se entristece. Eis que, de repente, se vê diante de um túmulo imponente, novo ainda, só enxerga as fotos e exclama: “Meu padrinho morreu! Esqueceram de me avisar – parecia ter tanta saúde! Que pena!”

Fez o sinal da cruz e orou por ele.

Regressando ao lar, passa pelo Beco dos Mal-Casados, por volta das 18h30 min. Neste horário, os pássaros já estavam voltando aos ninhos; as sombras das árvores, acima dos muros, projetavam, no chão, desenhos variados de luz e sombra. O ambiente ficou lusco-fusco.

Bem no meio do Beco, o jovem estudante avistou um idoso obeso, de caminhar pachorrento que veio em sua direção. Envolvia-os o silêncio da tarde.

Ao cruzarem-se, aquele senhor, com voz pausada, meio “arrastada” pela idade foi logo dizendo: “Olá Biló! Você por aqui! Como vai? Há quanto tempo não o via, meu afilhado…”

Nesta altura, o jovem, com os olhos esbugalhados, pensando estar diante de uma “assombração”, pois acabara de ver o seu túmulo no cemitério, perdeu a voz. E correu.

Correu sem olhar para trás, mesmo com as pernas bambas pelo susto.

Custou, mas chegou em casa mal respirando, suando e ainda sem cor, com os olhos fora de órbitas. Somente dizia: “Eu vi…eu vi…eu vi…”

“Viu o quê?” Perguntaram, aflitas, as irmãs.

Ele só respondia: “Eu vi…eu vi…”

Correndo para o banheiro, com dificuldade, só pode acrescentar, quase num gemido> no Beco dos Mal-Casados…”
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